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Oficina de Ensino de HistóriaA LINGUAGEM DA FRESTA NA MPB SOB CENSURAAlberto Moby Ribeiro da Silva
Esta oficina pretende abordar o papel da MPB no panorama cultural brasileiro dos anos da ditadura militar, com destaque para a chamada “linguagem da fresta”, da qual se valeram vários compositores na tentativa de burlar a sistemática e implacável perseguição da censura. Oficialmente promovida pelo Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP) da Polícia Federal, na prática, a censura era exercida pelas mais variadas instâncias do poder militar, através da pressão mais ou menos direta dos diversos órgãos do regime sobre os censores.
O objetivo central da oficina é chamar a atenção dos alunos para a durante o regime militar, acentuando-se suas várias nuances. Outro objetivo, não menos importante, é chamar a atenção para a , em seus vários elementos constitutivos, . Tradicionalmente compreendida como composta de três elementos indissociáveis – melodia, harmonia e ritmo –, é preciso incorporar à música um componente indissociável quanto se trata de lidar com sua vertente popular cantada: a letra, elemento fundamental para o trabalho do historiador, que nem por isso deve dispensar os seus demais elementos como documentos históricos, já que todas as escolhas feitas pelo compositor, pelo arranjador e/ou pelo intérprete sempre denotam pontos de vista e, portanto, um lugar na história. Além disso, pretende-se incorporar a prática d que se prestam de forma exemplar à associação entre a apropriação ativa do conhecimento histórico, através do trabalho com fontes primárias e um ambiente de sala de aula extremamente lúdico.
Os conteúdos conceituais são os relativos ao ambiente dos chamados “anos de chumbo” do regime militar – o período da vigência do Ato Institucional n° 5 (AI-5), particularmente durante os governos dos generais Emílio Garrastazu Médici (1969-1973) e Ernesto Geisel (1974-1978). Evidentemente, a oficina chama atenção para o clima de repressão política em geral, mas dá destaque para a repressão ao direito de livre expressão do pensamento, particularmente através da música. Com relação aos procedimentos, trata-se de incentivar nos alunos o espírito investigativo, no mínimo desejável, no campo do conhecimento histórico. Esse espírito investigativo deverá estar presente tanto quando da audição das canções (quando o professor deverá propiciar aos alunos outros elementos – fotografias, imagens em movimento, textos etc. – que o ajudem a se aproximar o máximo possível do “ambiente” da época) como quando da leitura e interpretação das letras das canções. No que se refere às atitudes, pretende-se valorizar o repúdio aos regimes de força, à repressão fora dos marcos legais determinados pela coerção legítima do Estado de direito e o incentivo à valorização da cidadania ativa, através não apenas da participação no processo eleitoral, mas também, e principalmente, do acompanhamento cotidiano da vida política do país em seus vários aspectos – a política propriamente dita, a vida cultural, as relações sociais – dos quais a MPB foi sempre uma excelente cronista.
Aconselha-se desenvolver esta oficina concomitantemente ou depois que os alunos (provavelmente 8ª. Série/9º. ano do Ensino Fundamental ou 3º. ano do Ensino Médio) tenham estudado conteúdos relativos às décadas de 1960 e 1970 no Brasil e no mundo e/ou ao governo de João Goulart e o regime militar brasileiro e/ou à efervescência cultural relacionada ao “Maio de 68” no Brasil e no mundo (protestos contra a guerra do Vietnã, movimento hippie, contracultura, Tropicalismo, a época dos festivais, a Primavera de Praga etc.). É importante que se dê especial atenção à conjuntura latino-americana de regimes políticos ditatoriais, em geral militares e a como, no Brasil, a ditadura militar reprimiu sistemática e violentamente as manifestações culturais em geral, destacando-se a censura à música popular e as reações dos compositores através da chamada “linguagem da fresta”.
Sugere-se que, a partir disso, sejam formadas equipes de trabalho que tenham sob sua responsabilidade algum (ou alguns) dos vários aspectos da difícil, conturbada e, muitas vezes, violenta relação entre a sociedade e o Estado militar brasileiro. Temas possíveis: a questão dos direitos civis (direito de ir e vir, de livre manifestação do pensamento, associação política etc.); as concepções sobre a moral e os bons costumes (sexualidade, indumentária, vocabulário etc.); a questão da segurança nacional (incluindo a luta armada, a clandestinidade e o exílio); a violação dos direitos humanos (censura, repressão policial, tortura); as questões sociais (inflação, desemprego, pobreza, educação etc.) Em seguida, devem ser postas à disposição dos grupos canções que, dentro do espírito da chamada “linguagem da fresta”, abordem tais temas. Os grupos devem tentar identificar, sempre que possível e com a ajuda do professor, a) qual o tema aparente das letras; b) o que o compositor (é importante considerar também a interpretação do cantor) tenta dizer nas entrelinhas; c) elementos históricos (postos à disposição da turma através de outras fontes) que possam atestar a eficácia ou não do que os artistas tentaram transmitir com suas canções. Pode ser interessante distribuir as canções de forma aleatória ou deixar que os grupos escolham as canções (sugere-se não mais que três por grupo), de maneira que ao analisarem as canções escolhidas os grupos, caso identifiquem elementos nas letras que tenham mais a ver com outros grupos possam realizar o “escambo” de letras. É muito importante que o professor não espere dos grupos que encontrem a “verdadeira verdade” de cada canção – até porque, evidentemente, essa “verdadeira verdade” é apenas um olhar, com o qual nem sempre os autores concordariam –, mas que sejam valorizadas as hipóteses levantadas por cada grupo, os métodos de investigação que foram utilizados para que o grupo tenha chegado a tais hipóteses e como tais hipóteses foram testadas, isto é, que outros elementos foram buscados para a verificação da plausibilidade de cada hipótese.
Evidentemente, esta oficina seria uma etapa – não necessariamente a final, mas, sem dúvida, parte do processo de finalização – de um projeto de trabalho mais longo, que poderíamos imaginar como de um mês de duração, no mínimo. Assim sendo, a análise das letras, a associação delas aos fatos históricos e a busca por fontes alternativas que justifiquem tal associação não podem se dar em apenas um dia de aula. Além disso, é aconselhável levar os alunos à busca por elementos que “recheiem” o tema, de forma que eles próprios se municiem de fontes primárias e secundárias que posteriormente irão fundamentar suas hipóteses quanto às letras das canções. Sugere-se que sejam destacadas questões como: grandes mudanças que afetaram o modo de viver das pessoas e sua visão de mundo como as viagens à Lua; os transplantes de coração; os computadores; o aparecimento da minissaia e o uso de cabelos compridos pelos homens; os hippies, o “amor livre” e a pílula anticoncepcional; o psicodelismo e o LSD; o feminismo; movimentos como as manifestações de contestação dos EUA pelas liberdades civis ou contra a guerra do Vietnã; o Maio de 68 na França; a Primavera de Praga; a Revolução Cultural na China; a Passeata dos 100 Mil no Brasil; os slogans Peace and Love (Paz e Amor) ou Make love, not war (Faça amor, não faça a guerra), acontecimentos no mundo da música como os festivais Monterey Pop (1967) e de Woodstock (1969); a ascensão ícones como os Beatles e os Rolling Stones, Bob Dylan, Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin; o surgimento, nos anos 70, do rock progressivo; a Jovem Guarda e o Tropicalismo; personagens da política, como John Kennedy, Martin Luther King, Nikita Krutchev, Mao Tsetung e Che Guevara, Daniel Cohn-Bandit; o cinema de Jean-Luc Godard (incluindo-se aí o antológico documentário Sympathy for the Devil, sobre os Rolling Stones, de 1968), de Pier Paolo Pasolini e Michelangelo Antonioni; as idéias e os livros de Jean-Paul Sartre, Herbert Marcuse, Louis Althusser, Hermann Hesse, Erich Fromm e Wilhelm Reich; a Teologia da Libertação; Há na internet material audiovisual disponível sobre todos esses elementos, assim como, no caso do Brasil, trechos dos festivais de música, principalmente os das TVs Record e Globo, das vitórias de Émerson Fittipaldi na Fórmula 1 (1972 e 1974) e da conquista da Taça Jules Rimet e do tricampeonato mundial de futebol pela seleção brasileira (1970); capas de publicações como O Pasquim (Rio), Movimento e Opinião (São Paulo) e Coojornal (Porto Alegre) – a chamada “imprensa nanica”, que corajosamente afrontava a ditadura, apesar da rigorosa censura à imprensa. Pode ser extremamente interessante que o professor vá fornecendo, paulatinamente, desde a primeira aula sobre o tema, inclusive e principalmente tendo como marcos os elementos acima, aproximações para que os alunos comecem a visualizar em que consistirá a tarefa dos grupos ao final do processo, dando ênfase particularmente a em que consistiu a “linguagem da fresta” e quais eram seus objetivos. |