VII Ainda os fantasmas – Ruídos na mesa ... As sombras nessa noite Lançaram mais terror na alma de Ricardo, Do que dez mil soldados armados o fariam.
Shakespeare Nos primeiros dias de minha vida conjugal os fantasmas tornaram a aparecer-me. Transplantada do meio bulhento de quatro pequenos irmãos e irmãs para a solidão da minha nova morada, deixando a vida ativa de irmã mais velha, de aia e preceptora de quatro pequenos seres maliciosos e traquinas, para ficar só, durante a maior parte do dia, com muito pouca coisa em que ocupar o meu tempo, fiquei aterrada descobrindo que as minhas antigas visões de fantasmas voltavam a toda força.
Em vão busquei distrair-me costurando, escrevendo e lendo. Muitas vezes, no meio da minha leitura ou da minha costura, eu tinha a impressão nítida de estar alguém me observando por cima do meu ombro ou espiando-me do lado oposto da câmara ou, ainda, assentando-se junto de mim e atravessando-me com os seus olhares. Em vão, eu repetia ser uma fraqueza animar tais fantasias; elas não me abandonavam, forçando-me, às vezes, por momentos, a deixar o meu trabalho e lançar-me ao sofá, cobrindo os olhos com um pano de lã espesso, para não ver as formas dos fantasmas.
Às vezes raciocinava, ria de mim mesma, e ia com arrogância de quarto em quarto, interrogando com os olhos todos os cantos, todos os vãos, enfim, tudo que pudesse dar motivo a esses vagos terrores, dizendo: “Agora bem vês que não há razão para te assustares; que nada aí existe que se assemelhe a uma criatura humana, seja real, seja imaginária. Portanto, deixa de ser estúpida e ridícula.” Apesar desses raciocínios, porém, o mundo fantasma se impunha a mim, e o pensamento de ter de passar longos dias na solidão atemorizava-me realmente. Eu não tinha amigos, mas apenas poucos conhecidos nesse lugar; achando-se muitos dos meus amigos no sul da Inglaterra, bem poucas distrações e companhias eu podia ter onde estava.
A repetição constante dessas visões assustava-me enormemente. Um dia, por acaso, mencionei alguma coisa dos meus temores de ficar só e da curiosa sensação que experimentava vendo-me vigiada por seres intangíveis. Mas o consolo que recebi trouxe-me uma forte recordação da observação do doutor no tempo da minha infância e os antigos temores e angústias assaltaram-me de novo. Eu vigiava incessantemente as minhas sensações, comparando as experiências de um dia com as de outro, de uma semana, de um mês, etc., com o fim de verificar se a enfermidade mental, de que eu secretamente me julgara afetada, ia piorando, e se essa fraqueza crescia; e a mim mesma perguntava, ao mesmo tempo, se conseguiria ocultar aos outros o meu estado de espírito.
Algumas vezes, durante muitos dias, eu não tinha visão alguma e sentia-me de todo curada, só desejando cantar e dançar, tão aliviado estava o meu coração, supondo que a nuvem tinha desaparecido.
Quando, porém, era mais forte a minha esperança, eu estremecia de repente, quase desmaiando, ao ver uma cara que me espiava por detrás de uma cortina, ou uma forma que desaparecia por alguma porta, quando eu passava de um a outro quarto.
Foi então que ouvi pela primeira vez falar no Espiritismo. Eu visitava uma amiga, residente a pequena distância da minha morada, quando, no correr da conversação, ela confiou-me suas inquietações a respeito do interesse crescente de seu marido pelo Espiritismo e de suas visitas a um grupo de espíritas e médiuns. Ouvindo as descrições que ela me fez dessas reuniões, da sala escura, das mesas giratórias, das caixas de música volteando no ar, dos médiuns que falam em estado de transe, pensei que realmente ela tinha razão de queixar-se e fiquei admirada de um homem sensato apreciar essas exibições vulgares dos prestidigitadores.
Na primeira ocasião que tive de conversar com ele a tal respeito, surpreendeu-me vê-lo tratar com seriedade desses absurdos, e as minhas acusações não conseguiram mais que provocar dissertações sobre as hipóteses espíritas e as descrições dessas manifestações. Incomodada e aborrecida com essa credulidade tão fácil, lancei mão de todos os argumentos que me vieram à mente para mostrar-lhe como eram absurdas as idéias espíritas e como todas essas manifestações, de que ele falava, podiam ser facilmente imitadas na obscuridade que ele declarava ser uma condição necessária para a sua produção, como era ridículo crer-se, com o bom senso comum, que uma mesa possa por si só passear por uma sala e responder com inteligência às perguntas feitas.
A única resposta às minhas objeções foi um convite para experimentar e ver por mim mesma, convite esse que recusei imediatamente.
Eu acreditara que não houvesse verdade no que ele afirmara a respeito de objetos inertes movendo-se por si mesmos. E, caso isso fosse real, era para lamentar-se. Com esta conclusão lógica, não quis continuar a discussão.
Nos dias que se seguiram, meus pensamentos fixaram-se muitas vezes sobre a estranha credulidade do meu amigo, credulidade essa que me tinha penalizado e desconcertado bastante.
Desde o tempo em que pela primeira vez nos encontramos, eu tinha concebido sincero respeito por sua retidão inteligente, seu caráter honrado, seu amor à verdade, seu juízo calmo e frio e sua força de raciocínio, tudo fazendo que eu procurasse e apreciasse a sua opinião nas questões gerais. Que, mesmo por um momento, poderia pensar que ele acreditasse em tal coisa? Isso me afetava penosamente, e eu buscava encontrar argumentos para apresentá-los, quando de novo nos encontrássemos.
Quanto mais pensava nisso e previa a desilusão terrível que o esperava, tanto mais necessário eu achava levar-lhe essa convicção.
Convidada de novo para experimentar e ver por mim mesma, venci a minha aversão e consenti, com mais duas ou três pessoas, em colocar as minhas mãos sobre uma mesinha. Elas pensavam evidentemente em alguma boa pilhéria e esperavam ter de rir-se; quanto a mim, não achava nisso nenhum prazer; mas conservava-me calma, persuadida de que os meus amigos compreenderiam o absurdo da coisa, isto é, de uma mesa dando sinal de inteligência.
Com grande surpresa minha e, talvez, também desgosto, pareceu-me sentir alguma coisa semelhante a um movimento produzido por vibrações na superfície da mesa; esse movimento gradualmente comunicou-se a toda ela e, cada vez mais pronunciado, acabou por tornar-se um balanço regular. Vendo isso, o Sr. F... começou a fazer perguntas, dizendo à mesa que desse uma pancada com o pé quando quisesse responder “não”. Diversas perguntas foram feitas, às quais a mesa respondeu com mais ou menos acerto. Depois, o Sr. F... perguntou-me:
– Que pensais disso agora?
– Penso que sois vós quem a estais empurrando – respondi eu.
Mas, no momento em que eu acabei de falar, a cadeira em que me assentava começou a correr pela sala e trepou sobre o sofá. Desembaracei-me dela e, ao mesmo tempo ralhando e rindo, acusei o Sr. F... de empregar fios de arame ou ímãs, e pedi-lhe que se afastasse da mesa. Não só ele se afastou da mesa, como saiu da sala, e eu fechei a porta para ele não voltar. Depois, assentei-me de novo com os meus amigos ao redor da mesa. A minha cadeira, conduzindo-me, correu de novo pelo solo até junto do sofá, para cima do qual saltou, como o fizera anteriormente.
A pedido meu, e um depois do outro, meus amigos se foram afastando, até que fiquei sozinha, com os dedos apoiados sobre a mesa. Ela moveu-se ainda e, quando nenhuma pergunta lhe era dirigida, balançava-se, erguendo ora um, ora outro pé, girando sobre si mesma e, assim, fez a volta do salão, seguida por mim com os dedos colocados sobre a sua superfície.
Pareceu-me então haver aí alguma coisa de diabólico; às vezes, ela sacudia-se como alguém que quisesse reprimir um frouxo de riso; outras vezes, dava-me a impressão de uma criatura animada, respirando fracamente. Depois, deu um salto repentino, como para escapar-se das minhas mãos.
Recolhendo-me essa noite, muito perplexa quanto ao resultado de tal experiência, lembrei-me de que o Sr. F... nos havia outrora divertido muito com algumas exibições de mesmerismo e, graças a essa recordação, acudiu-me à mente uma explicação provável desses misteriosos movimentos de móveis. Se era possível influenciarem-se pessoas por meio do magnetismo e fazê-las obedecer, não seria igualmente possível que os objetos inanimados, como mesas e cadeiras, fossem submetidos ao mesmo poder e obrigados a agir conforme a vontade do operador? Eu nunca ouvira falar de tal possibilidade, mas essa suposição teria alguma razão de ser? Quanto mais eu refletia, tanto mais isso me parecia admissível; portanto, discutindo com os outros amigos que, como eu, tinham assistido à experiência da mesa, decidimos elucidar essa questão, reunindo-nos na noite imediata, para fazermos um novo ensaio, sem prevenirmos o Sr. e a Sra. F...
À vista disso, na noite seguinte reunimo-nos na minha casa seis pessoas, inclusive eu. Resolvemos servir-nos de uma mesa de cozinha, não envernizada, visto ser a que tinha pernas mais sólidas, e a menos apta para ser movida por uma pressão inconsciente das mãos, o que não acontecia com a mesinha redonda de três pés de que nos havíamos servido na noite precedente.
Assentamo-nos ao redor da mesa, dois de cada lado e um em cada cabeceira; colocamos as mãos sobre a superfície, unindo os dedos extremos, de modo a formar uma cadeia.
Não durou muito, talvez nem meia hora, quando o mesmo estremecimento, as mesmas sensações vibratórias se fizeram notar e depois comunicaram-se à mesa inteira, que começou simplesmente por um movimento de balanço ou, mais corretamente, por um movimento ondulatório, porém sem deslocar-se.
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