VIII A mesa trai os segredos É ao teu próprio espírito que mandas ir tão longe espiar os nossos atos, descobrir as nossas vergonhas e horas de preguiça?
Shakespeare Começamos por apresentar questões, empregando os mesmos sinais que o Sr. F..., e recebendo respostas pelos balanços da mesa. Tendo alguém objetado que esses movimentos eram indistintos e podiam dar lugar a enganos, a mesa, com grande admiração nossa, levantou-se lentamente de um lado e bateu claramente com um pé, banindo assim toda a possibilidade de erro.
Fizemos inumeráveis perguntas, e todas de caráter mais ou menos absurdo. Lembro-me de que uma das pessoas presentes indagou acerca de um tesouro oculto, consultando se a mesa podia auxiliá-la na descoberta. Perguntaram-se as nossas idades, as datas dos nossos nascimentos, a hora do nascimento e do ocaso do Sol, o preço do trigo, finalmente tudo o que nos veio à idéia. Salvo algumas coisas corretas, as respostas, segundo creio, foram pouco satisfatórias. Afinal, esgotada a lista das perguntas, indagamos uns dos outros o que mais havíamos de perguntar.
De repente eu disse:
– Sabeis onde se acha meu pai esta noite?
A resposta veio pronta, por três erguimentos da mesa:
– Sim.
Pois bem! isso era estranho; nenhum de nós sabia onde se podia achar meu pai nesse momento, e ansiosamente esperávamos notícias suas. Minha mãe estava sofrendo de uma dor interna e viera de Londres para consultar um médico da cidade de Durham, que julgara necessário fazer-lhe uma operação. Tinha-se escrito a meu pai para informá-lo disso e pedir-lhe que viesse, a fim de emitir sua opinião sobre a oportunidade dessa operação, pois minha mãe não queria tomar nenhuma resolução em sua ausência.
Essa carta não teve resposta. Duas cartas mais foram remetidas e sempre o mesmo resultado. Concluímos que ele fora chamado a outro ponto e deixara de recebê-las, o que acontecera depois da partida da primeira carta de minha mãe. Esta, em um bilhete que me escrevera pela manhã, pedia-me que fosse vê-la no dia imediato, porque se achava muito impressionada com essa falta de notícias de meu pai. Esse o motivo da minha pergunta à mesa e da minha surpresa à vista da sua resposta.
– Onde se acha ele, então? – perguntei em seguida.
Mas, surgia aí uma dificuldade: os nossos sinais só nos podiam indicar as respostas “sim”, “não” e “não sei”, e nenhuma dessas palavras podia satisfazer à nossa pergunta. Alguém se ofereceu para ir pronunciando as letras do alfabeto, e a mesa concordou em erguer o pé quando fosse pronunciada a letra que devia entrar na formação do nome do lugar pedido.
Depois de muitos enganos, repetições e dificuldades, obtivemos a palavra Swansea.
– Quereis dizer que ele está na cidade de Swansea, no país de Gales?
– Sim.
– Desde quando?
– Dez pancadas indicaram dez dias.
– Impossível. Isso não pode ser verdade, pois sabemos que ele estava em Londres nestes últimos dias.
Dez novas pancadas foram dadas.
– Estais bem certa de que são dez dias?
– Sim.
– E o que está ele fazendo lá?
– Não sei.
– Mora em um hotel?
– Não.
– Em casa de algum amigo?
– Não.
– Isso não tem senso; não morando num hotel nem em casa de algum amigo, não pode estar em Swansea.
– Está.
– Onde, pois?
Alguém então sugeriu a palavra embarcação...
– Sim.
– Quereis dizer que ele se acha a bordo de um navio?
– Sim.
– Que navio? Qual o seu nome?
Começou-se a pronunciar as letras do alfabeto e, depois de um momento, obtivemos o nome Lizzie Morton.
– Quereis dizer que ele se acha a bordo de um navio chamado Lizzie Morton, e que esteve dez dias em Swansea?
– Sim.
– É estranho – observou alguém –.Tínheis a idéia de que o vosso pai aí se achava?
– Não – repliquei eu –; ele achava-se em Londres, desejando concluir alguns pequenos negócios antes de ir ter com minha mãe em Durham. Não veio e não tem respondido às suas cartas; mas, com certeza, ele teria escrito, se tivesse de seguir para outro ponto. Creio que não tem senso o que a mesa está dizendo.
– Mas – disse uma das pessoas presentes –, pretende-se que são os Espíritos que falam pelas mesas.
– É um Espírito que está fazendo a mesa falar?
– Sim.
– O Espírito de um homem?
– Não.
– De uma mulher?
– Sim.
– Que nome teve?
– Mary E.
Era o nome da minha avó.
– Sois minha avó?
– Sim.
– Vistes meu pai em Swansea?
– Sim.
– Ainda está lá?
– Sim.
Dizer o que foi a nossa surpresa à vista do resultado dessa experiência é exprimir superficialmente os nossos sentimentos.
Pela minha parte, sentia-me totalmente estupefata e indagava de mim mesma, ansiosa e perplexa, se devia falar à minha mãe do que tínhamos sabido. Ainda no dia imediato, durante a minha viagem a Durham, eu meditava sobre a conveniência de dizer alguma coisa à minha mãe, mas finalmente decidi não lhe falar disso. Em tudo havia aí muito mistério; eu conservava ainda a lembrança muito clara da incredulidade com que ela acolhia as narrações dos meus sonhos e dos meus amigos fantasmas, e eu recuava ante a idéia de ter de ler em seus olhos alguma desconfiança, mesmo que a não exprimisse por palavras.
Chegando à casa onde minha mãe se achava, depois de trocarmos duas frases, disse-me ela:
– Recebi esta manhã uma carta do teu pai; ele está em Swansea e acaba de receber minhas cartas sobre a operação.
Senti-me sucessivamente abrasada e gelada, e toda a sala pareceu girar ao redor de mim.
– Que há? – perguntou minha mãe – estás sentindo-te mal?
Não sei o que respondi, mas acabei contando-lhe toda a história das nossas experiências com a mesa falante. Qualquer que fosse o pensamento da minha mãe, ela reprimiu toda expressão de incredulidade e propôs que se escrevesse a meu pai indagando da veracidade dos outros detalhes; o que foi logo feito. Não sei se essa carta teve resposta, mas dois dias depois meu pai chegou e fui recebê-lo na estação. Em caminho, ele perguntou-me se alguém falara ou escrevera à minha mãe acerca dos seus negócios.
– Não sei, e creio que não – repliquei-lhe.
– Necessariamente alguém o fez – disse-me – ou ela não poderia saber o nome do navio.
– Realmente, estiveste a bordo de algum navio chamado Lizzie Morton, papai? E passaste todo esse tempo em Swansea?
– Sim; estive aí alguns dias tratando de um pequeno negócio com relação a um navio chamado Lizzie Morton, porém, para que dar tanta importância a isso? Não recebi as cartas senão há dois ou três dias, porque antes estava em viagem e muito ocupado.
– Havia dez dias que te achavas em Swansea, quando escreveste à mamãe?
– Dez dias; oh! não! não posso exatamente dizê-los, mas certamente não foram tantos.
– Quando saíste de Londres?
– No dia 10 deste mês.
– Então escreveste à mamãe em 20, e estão aí os dez dias.
– É exato! É possível. O tempo voa, quando se está ocupado.
Mais tarde soubemos a causa da sua ausência. Como muitos daqueles que passaram embarcados a maior parte de sua vida, meu pai, a despeito da sua determinação de tornar-se agricultor, sentia uma atração irresistível para tudo o que era barco e marinha. Ele empregara por várias vezes dinheiro em navios, e tinha-o perdido apesar de minha mãe temer que ele se lançasse em especulações infelizes.
Após a partida de minha mãe para Durham, meu pai preparava-se para ir juntar-se a ela um ou dois dias depois, quando casualmente encontrou um velho amigo que devia ir a Swansea para examinar um navio que estava exposto à venda, e que o convidou para companheiro. Meu pai num caso desses não se fazia rogado: aceitou a proposta e os dois seguiram juntos. Depois da inspeção do barco, fizeram uma pequena viagem de experiência e começaram a fazer os arranjos para adquiri-lo. Como meu pai havia dito, o tempo voa quando se está ocupado, e não foi senão ao retirar do correio as cartas que aí o esperavam havia alguns dias, que ele soube com que ansiedade aguardávamos notícias suas.
Muito fácil foi obter essa explicação; mas compreender como a mesa da cozinha podia conhecer esses detalhes e comunicações não era um problema de fácil solução.
– Fica certa, minha querida – disse meu pai –, que aí há feitiçaria ou satanismo; uma ou outra coisa, e é melhor que não te metas nisso.
Ao mesmo tempo, ele tinha muito desejo de experimentar por si mesmo e ver a mesa mover-se; e quando, depois de tentativas repetidas, conseguiu afinal esse efeito, interessou-se enormemente pelo resultado. Mais tarde, dizia-me com um ar muito sério que, no fundo, os espíritas tinham razão, não obstante os fatos serem incompreensíveis.
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